Em 2019, a grife de luxo Louis Vuitton colocou à venda calças, blusas, brincos, botas e bolsas que não existiam. Ao menos, não fisicamente.
Nicolas Ghesquère, diretor artístico de coleções femininas e um dos mais importantes estilistas da marca, foi o responsável por desenhar as roupas virtuais. Elas puderam ser compradas por jogadores de “League of legends”.
No mundo dos games, esse tipo de produto existe há décadas. São as skins, itens cosméticos que enchem os olhos de jogadores e o faturamento de desenvolvedoras.
Como o vestuário da vida real, elas servem para expressar identidade e deixar personagens mais atraentes nos jogos.
“Pra nós, [esse mercado] é absolutamente crucial porque é como a gente monetiza os jogos”, define Priscila Queiroz, responsável pelo marketing dos produtos da Riot Games – entre eles, “League of legends”.
Já o mundo da moda demorou para sacar a convergência entre suas próprias aspirações e os desejos de gamers. Agora, corre atrás para se inserir no universo das roupas que só existem on-line, tentando, inclusive, criar um mercado em torno desse tipo de produto para além dos jogos.
Quando fechou parceria com o “LoL”, há dois anos, a Louis Vuitton não podia imaginar que, tempos depois, uma pandemia forçaria a moda a se tornar mais virtual do que nunca.
Com desfiles cancelados pelo risco de contaminação, grifes tiveram que apelar à tecnologia para apresentar suas coleções. Muitas optaram pelo método mais convencional de transmissão ao vivo, com modelos desfilando para as câmeras. Outras foram mais longe.
A francesa Balenciaga criou justamente um jogo de videogame para mostrar versões 3D de suas mais novas peças, num futuro imaginado pelo diretor criativo Demna Gvasalia.
Ostentação
No mundo físico, o isolamento para conter o vírus tornou escassas as ocasiões sociais. A vida on-line sobressaiu. E, nesse cenário, os avatares virtuais ganharam ainda mais força.
Só no ano passado, “League of legends” gerou US$ 1,75 bilhão em receita para a Riot, segundo relatório da SuperData, empresa de dados e estatísticas do universo dos games e eSports.
Como o jogo é gratuito, a maior parte do faturamento vem da venda de itens cosméticos, que, no “LoL”, têm somente função estética, não aumentam o desempenho dos jogadores.
“As skins são uma forma de oferecer, ao jogador, opções para que ele expresse seu estilo e sua identidade. É como se ele estivesse numa loja, escolhendo o que lhe representa mais”, explica a responsável pelo marketing da Riot.
Uma skin em “League of legends” custa, em média, 1350 riot points (a moeda do jogo), o equivalente a cerca de R$ 28. Algumas, mais caras, são vendidas por 3000 RPs, aproximadamente R$ 64.
“Algumas empresas de jogos têm hoje um faturamento anual, gerado por roupas digitais, muito maior do que o faturamento de muita marca de luxo”, explica Cairê Moreira, fundador de uma consultoria brasileira focada em digitalização da moda.
Em outros jogos, como “CS:Go”, skins raras de armas e facas chegam a ser arrematadas por colecionadores por valores acima de R$ 600 mil.
Por trás desses produtos virtuais, há uma cultura de ostentação e um mercado estruturado, com enormes comunidades para negociação de skins e influenciadores que atuam para promovê-las.
A Nike é outra gigante da moda que já fatura nesse filão. Em 2019, a empresa se aliou a “Fortnite” para produzir skins inspiradas em Michael Jordan.
Já a parceria entre “LoL” e Louis Vuitton deu origem, além das peças virtuais, a uma coleção física dedicada ao jogo.
Para Camila Coutinho, uma das mais conhecidas blogueiras de moda do país, a aproximação com o universo dos games mostra que grifes estão preocupadas em atrair o consumidor jovem.
“É uma questão estratégica. Por mais que sejam marcas de luxo, que tenham uma história, o tempo passa, o público muda e não dá para viver de passado.”
Look de Instagram
Olhando para o futuro, algumas empresas experimentam levar as roupas virtuais para além dos games. Já pensou em comprar um vestido para usar apenas em uma foto do Instagram?
A grife croata Tribute vende esse serviço. Por valores que podem chegar a US$ 699 (mais de R$ 3.800), um cliente envia uma foto sua à loja e a recebe de volta com um look totalmente novo, que só existe on-line.
Você pode até achar “Black mirror” demais, mas, para influenciadores, cuja persona na internet é tão (ou mais) importante que a da vida real, a oferta pode ser atrativa.
“A gente acredita que tecnologias de realidade aumentada vão tornar tudo isso mais viável. O novo iPad, por exemplo, tem um sensor de área, para aplicar esse tipo de tecnologia”, diz Cairê.
O fundador da consultoria especializada no tema acha que esse tempo pode ter sido encurtado pela pandemia.
“O virtual não vai substituir o físico. Mas a moda está passando por um processo de digitalização, pelo qual já passou o mercado automotivo, por exemplo. A pandemia acelerou esse processo.”
Por Carol Prado, G1